Uma conversa difícil...




Hoje mais cedo, um colega de trabalho parecia afoito. Um moço de menos de 40 anos, divorciado, com aparência jovial, que chamarei de Mário somente de forma fictícia, ao ser questionado pela senhora da limpeza, de mais idade, hesitava ao responder como se sentia com o novo desafio que a vida lhe propunha. Uma mudança de cidade para um local próximo a praia.

Não posso afirmar se esse era seu sonho, ou um objetivo que pensou em construir tão cedo, mas uma vez escolhido não podia mais voltar atrás. Já havia feito a escolha. Então, o medo e o nervosismo acompanhavam seus dias desde o anúncio: era oficial. Dentro de quinze dias, estaria partindo pro litoral, onde faria residência. Sozinho.

A cidade que fica a alguns quilômetros, o afastaria do pai, o afastaria dos amigos, o afastaria das pessoas com que convive. Mário sentia medo, disse que ao colocar na ponta do lápis não valeria tanto a pena, e já apresentava um discurso receoso, diferente de quando contou empolgado a dias atrás que foi selecionado para transferência.

Quando respondeu sem muito ânimo a pergunta, provocou-me um susto. Uma vez que escolheu o novo local, não se sentia mais certo se queria viver longe do pai, longe da cidade que morou por alguns anos, longe da sua zona de conforto. O conselho da senhora não era aquele tipo que se escreve em um conto, apenas repleto de falas sobre mudanças, mas foi um bom conselho.

Antes que eu pudesse entender, uma outra colega de trabalho chegou. Essa, uma moça casada a algum tempo, chamarei-a de Marcela, também de forma fictícia, dirigiu-se ao colega contando que ela agora também tinha um desafio. Seu marido acabara de ficar desempregado. A mesma precisava ajustar sua vida a esse problema. Ela mesma tinha ficado desnorteada, veio apé de casa até o trabalho, ignorando a condução, como se viesse caminhando para gastar calorias e esquecer a sensação de angustia que a consumia. Dessa sensação, eu também entendo bem.

Contava que uma amiga de outro escritório já havia passado pela mesma situação, mas que cogitou largar o marido, viver sozinha. Foi repreendida, sob a seguinte afirmação "se o largar, seu príncipe encantado não estará a esperando na esquina". Ingratidão seria se ela, que sempre foi bancada por ele, o largasse agora que o mesmo precisava dela.

Ao ouvir aqueles dois depoimentos, a senhora da limpeza já não não tinha mais condição de salvar a crônica com palavras de sabedoria. Qualquer mudança traz consigo o medo, o nervosismo, a dúvida, a vontade de desistir. Dá trabalho sair da zona de conforto, dá trabalho descobrir o novo. Dá trabalho se desconstruir para construir algo novo.

Ironicamente, eles não eram os únicos a passar pela mesma situação. Só o fato de estar na mesma sala que eles dois já evidencia uma mudança acontecendo dentro de mim. A poucos meses atrás, eu era focada simplesmente em um hobby que eu amava muito, e ainda amo, que infelizmente, me trouxe mais dor do que felicidade. Aprendi que as pessoas são ingratas pela própria natureza, e que quando Pedro fala de Paulo, aprendo mais sobre o caráter de Pedro do que sobre o caráter de Paulo. Que a ingratidão descrita na mudança, existe.  Que não devemos deixar que as pessoas nos tratem mal somente porque as amamos, mas isso fica pra um outro texto.

Eu tenho quadros que retratam cada um dos momentos que vivi com meu Hobby antigo, que diga-se de passagem, eu evoluí bastante. Cada panfleto de evento do qual participei virou um quadro pequeno que eu mantinha na minha cômoda até que chegou a decepção, que me levou a guarda-los na gaveta de baixo, no lado esquerdo do guarda-roupas.

De comum acordo, naquela conversa, concordamos que viver é um desafio, é estar disposto a enfrentar o novo, pois a cada dia, uma coisa muda ao nosso redor. A cada minuto, células morrem e nascem dentro de nós. A cada dia trocamos a inexperiência pela experiência, e como pagamento da troca, nos aproximamos do fim da vida.

A mudança nos tira da zona de conforto. Um dos livros que mais marcou minha vida foi "Quem mexeu no meu queijo", que falava da história de dois ratos e dois homenzinhos que vivam em um labirinto e se alimentavam de queijo, em um estoque gigante que acreditavam ser infinito, até que um dia o estoque se acaba, desafiando-os a encontrar um "novo queijo". Como um spoiler eu posso dizer que os ratos, seres irracionais, foram os primeiros a se mover em direção ao que fosse novo, afinal, não se apegavam ao que o queijo significava, apenas viviam o que o queijo podia os proporcionar, e arrisca-se dizer que já previam o fim do estoque. O resto da história mostrava que os homens resistiam a mudança, culpavam um ao outro, em suas mentes cheias de teorias...

É interessante como temos a capacidade de nos adaptarmos a qualquer situação, e mais interessante ainda é como temos a capacidade de nos apegarmos a coisas passageiras, criarmos nossa zona de conforto e esquecemos do mundo. Mário ainda tem menos de 40. Marcela nunca teve a oportunidade de decidir as regras da casa. Eu ainda nem sei meu objetivo pra vida. Por que não estamos abertos as coisas novas?

Com ou sem seu consentimento, a mudança vai acontecer. Seja pra mim, que agora estou focada em uma nova área profissional, para minha colega que agora está se preparando para assumir as rédeas da casa, ou para meu colega, que vai ter seu novo destino traçado.

Antes de ir pra casa, passei numa loja e comprei um quadro... O último evento do qual participei, logo após a decepção. Coloquei o panfleto. Emoldurei a memória. Que será somente isso, uma memória bela daquilo que não vai voltar. Agora preciso traçar novos rumos, navegar em novas correntes. Se eu não deixasse isso como uma memória, não estaria naquela sala, tendo aquela conversa difícil sobre mudanças. Ainda não decidi se os quadros vão voltar pra gaveta, ou se depois de alguns anos vou traze-los de volta a parede.

Não quero dizer que a minha manhã teve um final feliz. Mas nossa conversa se estendeu e rendeu bons pensamentos, e até esse texto. Um dos frutos dessa conversa veio hoje mesmo, quando, antes que eu fosse embora, Mário cantarolava sorridente em direção a cozinha "meu escritório é na praia, eu tô sempre na área". 


Comentários

Postagens mais visitadas